Na Ria de Aveiro a circulação geral é dominada pela maré, sendo esta semi-diurna. A amplitude de maré na embocadura varia geralmente entre 3,3 m nas marés vivas e 1 m nas marés mortas. Cerca de 45% das alturas de maré são de 1 a 2 m, 15% são iguais ou maiores a 3 m e 2% são iguais ou superiores a 6 m (Vicente, 1985). As ondas locais de maré sofrem reduções de amplitude, atrasos e deformações acentuadas à medida que a maré avança para o interior da laguna. Os atrasos em baixa-mar são mais acentuados, excedendo as 5 horas nas cabeceiras Norte e Sul da laguna. As curvas de maré (aproximadamente sinusoidais nas imediações da embocadura) deformam-se progressivamente para montante, tornando-se assimétricas. A amplitude reduz-se gradualmente para montante, correspondendo as maiores taxas de variação às zonas dos canais em que se dá maior concentração do escoamento, com ocorrência de maiores velocidades (Vicente, 1985). O aprofundamento dos canais para navegação de navios de maior calado tem provocado um aumento da amplitude das marés devido à extracção de grandes massas de areia e lodo, possibilitando a entrada de um maior volume de água do mar. Este processo favorece a progressão da cunha salina provocando uma diminuição da disponibilidade de água doce para irrigação, causando a salinização dos solos e para além disto altera os padrões de salinidade e das condições de vida da laguna (Borrego et al., 1994) Os estofos das correntes de enchente e de vazante apresentam atrasos relativamente à preia-mar e baixa-mar de 1h 30 min e 1h 50 min, respectivamente. Na enchente os caudais máximos estão associados a níveis de maré sensivelmente superiores aos níveis associados aos caudais máximos de vazante (Vicente, 1985). Na proximidade da barra a propagação das marés é rápida, atingindo cerca de 7,3 m.s-1 no canal principal de Aveiro. À medida que aumenta a distância à entrada, a velocidade de propagação da maré abranda consideravelmente, dando origem a uma inversão de maré entre a barra e os extremos dos braços mais interiores (Borrego et al, 1994). A velocidade máxima verifica-se nos canais mais estreitos e profundos sendo cerca de 1 m.s-1, diminuindo à medida que nos aproximamos do fim dos canais, mas nunca se anula (Model. Qual. Ag. Ria Aveiro, 2001). No canal da barra as correntes são fortes, sendo as de vazante mais fortes que as de enchente. O escoamento na vazante assemelha-se a um jacto, ligeiramente dirigido para Sul, que se alarga e atenua com o afastamento da embocadura, formando--se lateralmente zonas de circulação. Na enchente, o fluxo aproximadamente radial, provém de uma maior extensão de água, aumentando de velocidade gradualmente com a aproximação da embocadura. Um contributo importante para a renovação da água na laguna é a diferença entre os padrões de corrente de enchente e vazante, já que uma parte importante dos volumes expulsos na vazante não volta a afluir à embocadura na enchente (Vicente, 1985). A tensão do vento é outro fenómeno que também influencia a circulação geral da laguna. Tem influência nas zonas mais largas e mais baixas da Ria, onde a velocidade devida à maré é pequena, provocando um aumento da velocidade da corrente nestes locais A água salgada que entra durante a enchente na direcção de montante mistura-se com a água doce de origem fluvial por processos de rebentação das ondas internas e turbulência de pequena escala. Na vazante parte dessa água misturada, de menor densidade, sai para o mar (Matos, 1989). Os volumes e caudais de água do mar que entram na laguna para várias amplitudes e tipos de maré são apresentados na Tabela 3.1. |
Tabela 3.1 – Volume e caudal de água marinha que penetra na Ria de Aveiro em cada maré.
Maré |
Volume de água (106 m3) |
Caudal (m3.s-1) |
|
Tipo |
Amplitude (m) |
||
Morta |
1,0 |
25 |
1700 |
Viva frequente |
2,5 |
60 |
4000 |
Viva extrema |
3,0 |
90 |
6000 |
Fonte: adaptado de Borrego et al. , 1994 e GRIA, 1990
A massa de água salgada que entra na laguna é distribuída de forma muito variada pelos canais: 20% (canal de Mira), 80% dividido em partes iguais pelos canais de S. Jacinto/Ovar e da Cidade, que, por sua vez, se distribuem pelos canais do Espinheiro (25% ) e da Cidade (15%) para se repartirem a montante em partes aproximadamente iguais na bifurcação do canal de Ílhavo (Vicente, 1985). O caudal fluvial médio afluente à Ria é de 40 m3.s-1, ao qual corresponde um volume de 1.8 x 106 m3 (Vicente, 1985). O sistema hidrográfico da Ria de Aveiro é dominado pelo Vouga, que debita na laguna um fluxo médio anual de 25 m3.s-1. O rio Antuã apresenta um fluxo médio anual de apenas 2 m3.s-1. Os outros cursos de água que desaguam nesta laguna têm reduzida dimensão quer em comprimento quer em caudal. Durante a época das chuvas o fluxo de água doce pode atingir valores na ordem dos 820 m3.s-1 (Borrego et al, 1994). A comparação entre os caudais fluviais e os de maré permite constatar que para o funcionamento hidráulico global da Ria a maré é o factor com maior importância (GRIA, 1990). Os caudais fluviais adquirem algum significado para o funcionamento hidráulico global nos períodos de cheias (Borrego et al, 1994). Considerando um prisma de maré de 60 x 106 m3, o número de estuário, em percentagem, é 3% pelo que se pode concluir que se trata de um estuário bem misturado, tal como também verificou Matos (1989). Segundo este autor, as elevadas amplitudes de maré locais, o fundo muito irregular, a baixa profundidade média e consequente energia turbulenta disponível (suficiente para destruir a estratificação e aumentar a homogeneização da coluna vertical) bem como os fracos caudais fluviais que desaguam na Ria não permitem a estratificação. O tempo de residência da água doce é mais elevado nas extremidades dos canais (considerando uma salinidade de 0,6 psu, o tempo de residência seria de aproximadamente 20 dias) do que nas zonas mais próximas do oceano (considerando uma salinidade de 33,5 psu, o tempo de residência seria de aproximadamente 1 dia). |
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